O director do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), Abebe Aemro Selassie, disse hoje que a previsão de crescimento económico para Angola este ano foi revista em alta, de 2,4% para 3%, elogiando o governo pelas reformas. Com os mesmos dados, perto das eleições o crescimento “será” ainda maior.
“Em Angola, prevemos um crescimento de 3% para este ano e cerca de 4% a médio prazo, mas mais do que o ponto de destino, o que estamos a ver é a tendência, o país está a sair de um período incrivelmente difícil”, disse Abebe Aemro Selassie em declarações à Lusa por videoconferência a partir de Washington.
“Angola foi atingida por múltiplos choques, primeiro o declínio nos preços das matérias-primas, em 2015 e 2016, que teve efeitos enormes na economia, e quando respondiam a isso veio a pandemia, que teve um efeito incrivelmente adverso na economia”, acrescentou o director do departamento africano do FMI.
“Finalmente estamos a ver uma expansão económica, é muito, muito importante e encorajador, porque é um reflexo das medidas que o governo tomou para reformar o país e controlar os desequilíbrios macroeconómicos”, apontou Selassie.
A economia angolana deverá ter saído da recessão no ano passado, antevendo um crescimento próximo de 0%, com as principais instituições internacionais e analistas a preverem uma expansão económica superior a 2% este ano, sustentado não só na recuperação dos preços do petróleo, mas também no crescimento da economia não petrolífera, fruto da diversificação económica em curso. “Em curso”, segundo o MPLA que está no poder há 46 anos, significa o mesmo que todos os anos é prometido.
Questionado sobre se, depois do fim do programa de ajustamento financeiro de 4,5 mil milhões de dólares que terminou em Dezembro, o FMI e o Governo angolano vão acertar um novo programa, Selassie respondeu que ainda é cedo, mas mostrou-se disponível para o que as autoridades precisarem.
“Não discutimos ainda um novo programa, temos o habitual debate com troca de ideias e de análise sobre os indicadores económicos, mas estamos ainda à espera que o governo diga como quer fazer, mas é muito cedo, o programa acabou agora. Dada toda a adversidade dos choques que enfrentaram, fizeram um esforço notável para lidar com os desequilíbrios e é muito encorajador ver um crescimento este ano, mas a chave para o futuro será manter as reformas e a expansão económica, e vamos apoiá-los de qualquer maneira que escolham”, respondeu.
Selassie deixou vários elogios ao empenho das autoridades angolanas (o MPLA) na implementação do programa, mas vincou que a incerteza é a palavra de ordem em tempos pandémicos.
“Dada a escala dos choques, fizeram um trabalho tremendo para manter a economia e chegarem até aqui, mas há muitas questões, a política restritiva dos bancos centrais, pode haver turbulência nos mercados, pode haver outra variante, por isso, sucesso, sim, mas há que manter o curso e o objectivo derradeiro é fazer subir a taxa de crescimento para 6 ou 7% e tratar das cicatrizes recentes”, disse o economista, concluindo que “essa é a agenda a que as autoridades angolanas estão a dar prioridade, e são desafios partilhados por muitos outros países africanos”.
No dia 21 de Outubro de 2021, Abebe Aemro Selassie disse que era preciso “dar crédito a Angola” por ter continuado a implementar as reformas apesar das dificuldades, e acrescentou que brevemente os esforços dariam frutos. Para os angolanos só é preciso continuar a fazer o que fazem há 46 anos… esperar.
“Quando o programa de ajustamento financeiro começou, em 2018, ninguém antecipava a pandemia e as terríveis consequências que teria, mas em termos das reformas de que o país precisava, Angola merece muito crédito por ter persistido apesar do terrível custo da pandemia no seu povo e na economia, incluindo a grande queda do petróleo do último ano e meio”, disse Abebe Aemro Selassie.
Selassie explicou que “apesar deste choque monumental, as autoridades angolanas perseveraram nas reformas e estão a conseguir ultrapassar as dificuldades, dando passos significativos para reduzir os desequilíbrios macroeconómicos e posicionar o país para beneficiar da recuperação do preço do petróleo”, a maior fonte de receitas do país.
“O crescimento continua fraco, a terceira vaga foi particularmente severa, e não antecipámos isso na nossa previsão, e foi por isso que revimos o crescimento em baixa”, afirmou Selassie, vincando que “se a pandemia se desvanecer e a recuperação económica mundial continuar, o FMI está muito, muito confiante que Angola vai beneficiar dos frutos de todas as reformas que fez nos últimos dois anos, incluindo na melhoria da transparência das gestão das finanças públicas, e no sector financeiro”.
O FMI previa que o crescimento de 3,7% em 2021 e de 3,8% em 2022 na África subsaariana seja sustentado por uma melhoria das condições económicas nos países não produtores de petróleo.
“A previsão para 2021 foi revista em alta, principalmente pelas perspectivas melhores do que o esperado nos países de recursos intensivos não petrolíferos, nos quais o crescimento foi melhorado em 1,2 pontos percentuais para 4,7%, reflectindo o aumento dos preços das matérias primas”, lê-se no relatório então divulgado sobre as Perspectivas Económicas da África subsaariana.
No entanto, acrescenta-se no documento, este crescimento “foi eliminado pela descida nas projecções para os países de recursos não intensivos, em 0,7 pontos, para 4,1%, o mesmo acontecendo com os países exportadores de petróleo, cuja previsão de crescimento foi revista ligeiramente em baixa, de 0,1 pontos, para 2,2%, o que reflecte uma previsão mais baixa para Angola”.
No documento, os técnicos do FMI salientam que a melhoria das previsões para o conjunto dos países da região resulta de melhores condições internacionais, “o que indica que a região continua altamente vulnerável a mudanças na perspectiva global, onde os dois principais riscos são a inflação nos Estados Unidos e a possibilidade de a Covid-19 se tornar endémica, como a gripe”.
Assim, os decisores políticos africanos enfrentam três desafios principais: “Primeiro, lidar com as necessidades prementes de despesa para o desenvolvimento, segundo, conter a dívida pública e, em terceiro lugar, mobilizar receita fiscal em circunstâncias em que as medidas adicionais são geralmente impopulares”.
Chulam África até ao tutano
No dia 17 de Maio de 2021, Abebe Aemro Selassie considerou que o continente enfrentava uma “divergência perigosa” face ao resto do mundo em termos de vacinas e de crescimento económico decorrente da pandemia.
“A recuperação é mais anémica do que gostaríamos, temos um crescimento de 6% no mundo, e na África subsaariana é de 3,4% este ano, queríamos que fosse ao contrário, porque esta é uma divergência perigosa”, afirmou Abebe Aemro Selassie, durante a Cimeira da Paz, que decorreu na véspera da realização da cimeira sobre o financiamento das economias africanas, ambas em Paris.
Nas declarações feitas a partir de Paris, Selassie salientou que “a média do crescimento era de 5 ou 6% nos últimos anos, por isso uma contracção de cerca de 2% é mesmo severa, e é uma média, o que significa que nalguns países, como os arquipélagos dependentes do turismo, houve uma recessão de dois dígitos”, como foi o caso das Seicheles ou de Cabo Verde.
Questionado sobre o que estava o FMI a fazer para ajudar estes países, Selassie disse que o primeiro passo era garantir mais espaço orçamental, obtido através de vários instrumentos, entre os quais a emissão dos Direitos Especiais de Saque (DES), no valor de 650 mil milhões de dólares, cerca de 550 mil milhões de euros.
“O que estamos a fazer é continuar a apoiar os países para terem mais espaço orçamental, não só através de empréstimos, mas também recorrendo ao Fundo de Crescimento e Apoio à Pobreza [PRGT, na sigla em inglês], mas o mais vital de tudo é haver uma distribuição global de vacinas, em todo o mundo”, vincou o responsável.
E por Lisboa como foi?
Em 12 de Dezembro de 2012, o então chefe de missão do FMI deu uma palestra na Ordem dos Economistas de Portugal, onde falou sobre a situação económica de Portugal no passado, no presente e no futuro.
Abebe Selassie deixou várias ideias no ar, sobre como Portugal devia encarar o futuro, como a reestruturação da banca, e recomendou mesmo que devia ser feito um debate alargado em Portugal sobre qual o modelo de Estado Social que o país pretende no futuro.
Sobre a reestruturação da banca, disse que “os bancos precisam de mudar o seu modelo de negócios se quiserem evitar mais um ciclo de elevada alavancagem”. Para Abebe Selassie, os custos das operações dos bancos eram elevados e é “muito importante a redução de custos” para melhorar as condições de financiamento dos bancos e do próprio país.
Selassie destacou também a importância do novo mecanismo de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE), o mecanismo de transacções monetárias definitivas (OMT, na sigla em inglês) para corrigir a ineficiente transmissão monetária na moeda única.
“É muito claro que o mecanismo de transmissão monetária não está a funcionar como devia. Isto é algo que precisa de mudanças de política da zona euro”, afirmou.
Quanto ao chamado Estado Social (ou providência, é uma forma organizativa de sociedade dar uma resposta colectiva às necessidades de cada uma das pessoas), Abebe Selassie disse que “se quiserem ter um grande estado providência em Portugal, tudo bem, mas têm de saber como pagar por ele”, explicando que “é possível ter um Estado baseado no modelo escandinavo, mas para isso é necessário um sector exportador muito dinâmico. Esse é um debate necessário.”
Sobre o sector público, Abebe Selassie considerou (2012) que ainda existia “margem para reduzir as ineficiências no sector público”, exemplificando com os gastos com pensões, que afirmou estar “entre os mais elevados na zona euro, cerca de 15% do Produto Interno Bruto”. O grande problema, disse, é que embora Portugal seja dos países que proporcionalmente mais gasta em pensões, também é um dos que tem maior risco de pobreza entre idosos.
Quanto ao aumento da dívida pública deve-se, de acordo com este perito itinerante, à reclassificação das PPP (Parcerias Público-Privadas) e empresas públicas. Ora, segundo Abebe Selassie, é errado atribuir o crescimento da dívida pública à crise, porque estas devem-se à entrada das despesas das PPP e das empresas públicas nas contas do Estado.
“Uma das coisas que as pessoas nos dizem é que o crescimento da dívida pública é um resultado da crise. Acho que é uma visão errada, porque a política orçamental foi expansionista, mas também porque muita da despesa que fizeram com Parcerias Público-Privadas e empresas públicas, entrou nas contas públicas. Grande parte do aumento da dívida pública deve-se à reclassificação destas entidades em contas nacionais”, disse Abebe Selassie.
Portugal não era a Grécia. “Acho que nesta conjuntura não se querem comparar com a Grécia”, disse Abebe Selassie, realçando que os progressos do país estavam a ter resultados visíveis com a queda dos custos de financiamento e que seria melhor para Portugal continuar a avançar com o programa de austeridade cega e evitar associações com a Grécia, devido à possibilidade que foi avançada de Lisboa beneficiar das novas condições para Atenas concedidas pelo Eurogrupo.
Quanto às dívida pública e privada, Abebe Selassie criticou duramente tanto o endividamento do Estado como o endividamento dos privados. “A política orçamental foi completamente indisciplinada”, acusou, criticando também o sector privado. “Um factor distintivo de Portugal era a elevada alavancagem do sector privado, algo que foi alimentado por mercados internacionais e bancos domésticos complacentes”, disse.
Na altura, Abebe Selassie disseque o famigerado Programa da Troika começaria a dar resultados em 2013, mostrando-se muito optimista quando falou sobre os resultados do ajustamento orçamental que estava a ser efectuado em Portugal. Abebe Selassie disse que muitos dos resultados do programa só seriam visíveis no médio e no longo prazo, devido às reformas estruturais em curso.
Abebe Selassie apontou que Portugal deveria voltar ao crescimento “na segunda metade do próximo ano” (2013) mas sublinhou que este estaria dependente da evolução dos mercados internos.
Na opinião deste quadro do FMI, Portugal não se adaptou às transformações globais. Razão pela qual as políticas públicas portuguesas “não foram capazes de responder a desenvolvimentos” como a globalização e a entrada da China nos mercados globais, a revolução das tecnologias digitais, a criação do euro e a crise financeira global.
Abebe Selassie disse reconhecer que Portugal registou “um grande aumento do desemprego, que duplicou, e que existia uma grande pressão sobre as famílias”. Os portugueses “fizeram sacrifícios consideráveis até agora, evidentemente, mas conseguimos grandes progressos”, afirmou, considerando que houve uma redução dos “desequilíbrios macroeconómicos que caracterizavam” a economia portuguesa, como a redução das taxas de juros sobre a dívida soberana, a redução do défice externo e o equilíbrio orçamental.
A mensagem da Abebe Selassie foi tão bem aceite pelo governo da altura (PSD/CDS) e pelos portugueses a ponto de, nas eleições seguintes, os cidadãos rejeitarem maioritariamente essa estratégia, dando uma maioria parlamentar aos partidos que prometeram mandar a Troika ir dar uma volta.
Folha 8 com Lusa